Comunidade terapêutica que mantinha dependentes químicos como trabalhadores é condenada por trabalho escravo em Juiz de Fora
07/10/2025
(Foto: Reprodução) Alojamento encontrado em comunidade terapêutica em Juiz de Fora
Ministério do Trabalho/Divulgação
A Justiça do Trabalho condenou uma comunidade terapêutica localizada em Juiz de Fora por manter seis dependentes químicos em situação análoga à escravidão. Embora fossem apresentados como “acolhidos”, eles viviam em condições degradantes e eram obrigados a trabalhar.
A decisão, divulgada na segunda-feira (6), determina o pagamento de R$ 50 mil por danos morais coletivos, valor que será destinado ao Fundo de Direitos Difusos, e R$ 10 mil a cada trabalhador por danos morais individuais.
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Há um recurso em andamento para tentar reverter a sentença do juiz Luiz Olympio Brandão Vidal, da 4ª Vara do Trabalho, após o Ministério Público do Trabalho (MPT) entrar com uma Ação Civil Pública — ação judicial que serve para proteger interesses coletivos e responsabilizar quem causa danos a alguém.
Ainda na segunda-feira, o governo federal também atualizou a “lista suja”, que divulga os nomes de empregadores que submeteram trabalhadores a condições semelhantes à escravidão, e a Comunidade Terapêutica Tenda do Encontro segue no levantamento desde 2024. Entenda mais abaixo.
Em nota, a defesa da Comunidade Terapêutica Tenda do Encontro, representada pelo advogado Flávio Nunes, afirmou que, no processo criminal, a instituição foi absolvida de todas as acusações. Já na esfera trabalhista, foi interposto um recurso. A nota completa pode ser lido ao final da reportagem.
Trabalhadores em condições degradantes
Comunidade terapêutica localizada em Juiz de Fora
Ministério do Trabalho/Divulgação
A fiscalização que revelou o caso foi realizada por auditores do Ministério do Trabalho, com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em 2023, após uma denúncia da Vigilância Sanitária de Juiz de Fora, que apontou diversas irregularidades.
Confira abaixo quais:
Seis homens que viviam e trabalhavam no local;
Três trabalhavam em obras de construção civil e os demais, na cozinha, na horta e na supervisão do espaço;
Nenhum tinha registro em carteira;
Os trabalhadores afirmaram atuar como voluntários, mas os fiscais constataram que o trabalho ocorria em troca de abrigo e comida, sem salário e sem registro;
O local apresentava obras inacabadas, condições precárias de higiene e ausência de saneamento básico.
Os “acolhidos” residiam na propriedade e exerciam funções contínuas, sem remuneração e sem equipamentos de proteção individual (EPIs), mesmo em obras;
Os homens eram dependentes químicos e não recebiam acompanhamento médico, psicológico ou social, conforme determina a legislação para tratamento terapêutico;
O alojamento era improvisado, coberto por telhas de zinco e apresentava várias frestas;
Os colchões estavam sujos e danificados;
Havia alimentos vencidos, como feijão e maionese;
A água usada para beber e cozinhar vinha de uma cisterna sem tampa e sem tratamento;
Existia risco de explosão em uma panela de pressão com defeito;
Os homens trabalhavam de chinelos e sem equipamentos de proteção.
Resumo da condenação: entenda
Além das indenizações, o juiz determinou que a instituição registre os vínculos na Carteira de Trabalho Digital, pague as verbas trabalhistas e corrija as irregularidades sanitárias e de segurança.
O magistrado destacou que o dano moral “é presumido diante da violação da dignidade humana e da exploração da vulnerabilidade social dos trabalhadores”.
Resumo da condenação:
1) Justiça reconheceu vínculo de emprego entre seis trabalhadores e a comunidade terapêutica.
2) Instituição e responsável foram condenados ao pagamento de indenizações.
3) Determinação para registro em carteira e correção das irregularidades sanitárias e de segurança.
‘Lista suja’ do trabalho escravo é atualizada
'Lista suja' do trabalho escravo é atualizada com 159 novos nomes
O governo federal incluiu 159 novos empregadores na “lista suja” do trabalho escravo, divulgada na segunda-feira pelo Ministério do Trabalho. O número representa um aumento de 20% em relação à atualização anterior. Do total, 101 são pessoas físicas e 58 são empresas.
Minas Gerais lidera o ranking, com 33 empregadores incluídos, sendo dois em Juiz de Fora.
🔎 Um dos casos registrados na cidade envolve a Comunidade Terapêutica Tenda do Encontro, e o outro envolve o Santuário Nacional de Bom Jesus. A reportagem tenta contato com este último.
Veja abaixo na tabela quem está na “lista suja”, que também inclui registros de nove empregadores em Santa Bárbara do Monte Verde, Barbacena, Mar de Espanha, Santos Dumont, Bom Jardim de Minas, Orizânia, São João del Rei e Além Paraíba.
Nota na íntegra
"A COMUNIDADE TERAPEUTICA TENDA DO ENCONTRO, diante das recentes informações e interpretações equivocadas divulgadas a respeito de sua atuação, vem a público reafirmar seu compromisso com a verdade, com a justiça e com o acolhimento humano que sempre norteou suas atividades. Em primeiro lugar, é fundamental destacar que no processo criminal que tramitou perante a Justiça Federal, a Comunidade e seus Diretores foram absolvidos de todas as acusações, com trânsito em julgado da sentença absolutória, o que reafirma a lisura de sua atuação e a inexistência de qualquer prática ilícita. Essa decisão é definitiva e irrefutável. No âmbito trabalhista, a Comunidade, por meio de seus representantes legais, defende a incompetência da Justiça do Trabalho para o julgamento do caso, uma vez que a relação existente entre a instituição e os participantes era de natureza civil e voluntária, e não empregatícia. No recurso interposto, foi pleiteada a declaração de nulidade de todos os atos processuais, inclusive da sentença condenatória, com o consequente envio dos autos à Justiça Comum, foro adequado para apreciação de relações dessa natureza. Importa ressaltar que os vínculos firmados com os acolhidos tinham base em contratos de trabalho voluntário, nos termos da legislação vigente. Tratava-se de ex-dependentes químicos que, após longos períodos de exclusão social, encontraram na Comunidade uma oportunidade real de reabilitação, dignidade e reintegração. Muitos deles chegaram até a Comunidade Tenda do Encontro em situações extremas, abandonados por suas famílias, ignorados pelo poder público e ameaçados por facções criminosas, em razão de dívidas e envolvimento anterior com o tráfico de drogas. A missão da Comunidade é transformar dor em esperança. E é por isso que, mesmo diante das adversidades e dos mal-entendidos, segue firme na vocação de acolher, recuperar e reintegrar seres humanos que um dia foram esquecidos pela sociedade".
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